quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O Estado Novo na segunda metade do século XX - Economia


   A dois de setembro de 1945 finaliza-se a segunda guerra mundial com a capitulação dos nazis face ao círculo aliado que gradualmente se fechou sob a Capital alemã. Inicia-se a reconstrução da Europa após o maior e pior conflito datado até hoje no velho continente (Doc.1).

Documento 1 – (da esquerda para a direita e de cima para baixo) formação de caça-bombardeiros alemães Stuka; sessão do Tribunal de Nuremberga; paisagem de destruição em Saint Lo, França, após a sua libertação.


   Entretanto, Portugal ‘permanece imóvel’. Ao contrário dos outros países não sofre diretamente com o conflito pois adotou uma posição ‘neutra’. (A falhada) “mais formosa das herdades” continua a ser o termo que designa economicamente Portugal. O regime conservador, nacionalista, colonialista, corporativista, repressivo, militarista, antiliberal, anticomunista, unipartidário, autoritário, enfim, ditatorial fascista não capitula, ao contrário dos outros regimes ditatoriais da Europa, e Salazar completa 13 anos de permanência no poder… (Doc.2)

Documento 2 – Dr. Oliveira Salazar no seu gabinete de trabalho.
 

   Economicamente, Portugal pode ser caracterizado como uma ‘velha quinta de família’. Os princípios de nacionalismo e autarcia, que temem as crises do capitalismo e as pressões e dependências externas, governam a economia. A indústria (setor secundário) é um setor menor ocupado apenas por trinta por cento da população ativa face aos cinquenta por cento do setor primário, em muito devido à Lei de Condicionamento Industrial publicada em 1931.

O Estado Novo propagandeia Portugal como a mais formosa das herdades acudindo-se da exponencial produção agrícola a quando das campanhas dos cerais e fruta da década de 1930 (Docs. 3 e 4). Investiu-se especialmente nos cereais, de que o trigo é exemplo, que satisfariam a mais básicas necessidades alimentares dos portugueses.
Documentos 3 e 4 – posters de propaganda alusivos às campanhas agrícolas.


Contudo, esta maior produção foi apenas conseguida através de um aumento da área cultivada e não do rendimento por cultivo e sabendo que o setor primário era sobrepovoado, e tomando conhecimento da assimetria norte-sul no que diz respeito ao tamanho médio de explorações - no norte minifúndios e no sul latifúndios – podemos concluir que a agricultura portuguesa era, em grande parte, ainda desmecanizada. Isto porque os pequenos agricultores do norte não possuem fundos suficientes para investir na mecanização dos seus campos, ou o relevo não o permite, e os arrendatários (por vezes precários) dos campos dos grandes proprietários do sul não pretendem investir nos campos que não lhes pertencem. E, por causa do aumento um tanto descontrolado da área cultivada, verificou-se a erosão de solos que levaram à queda da produção.

Este défice de produtividade agrícola era colmatado com importações vindas do resto da Europa. Contudo, com o início da segunda guerra mundial em Setembro de 1939, as economias (de paz) europeias tornam-se economias de guerra, focadas no auto-consumo e, assim, restringem as exportações face às especiais necessidades.

É nesta altura que se denotam as lacunas da “mais formosa das herdades” - a miséria atinge a alimentação dos portugueses e a pobreza generalizada propicia, por exemplo, o acréscimo dos casos de tuberculose e o aumento da taxa de mortalidade infantil. É durante esta altura que surgem pratos, como por exemplo, a açorda alentejana (confecionada apenas com água, azeite, pão, alho e por vezes coentros – tudo bens alimentares comuns) resultantes da mais básica necessidade humana, a de saciar a fome.

   Devido à pobreza e miséria do mundo rural verificou-se um êxodo rural. O litoral torna-se destino de muitas pessoas que procuram um emprego rentável. Um que lhes possa permitir sobreviver. Devido a este êxodo rural, grande parte população passa a estar localizada no litoral - litoralização. Isto fez com que surgissem os popularmente conhecidos ‘bairros de lata’ – numa cidade que dispõe de menor oferta que procura faz com que os preços das habitações e dos arrendamentos subam tanto que os migrantes dos campos não as possam comprar nem que arranjem um emprego. Este fenómeno faz com que nos anos que seguiram este êxodo rural (cinquenta, sessenta e setenta) se verificasse o surgimento de cidades dormitório que faziam os transportes públicos demorarem-se e os primeiros engarrafamentos citadinos aparecerem nas horas de ponta (Doc.5). É neste contexto que surgem os termos “Grande Porto” e “Grande Lisboa” e um crescimento do setor dos serviços e, durante os 50’s, uma movimentação para a indústria em detrimento da agricultura.

Documento 5 – Estação dos Restauradores - Metropolitano de Lisboa em 1959 – a vinda de grande número de pessoas para a cidade de Lisboa foi uma das razões que levou à construção do metropolitano.
   Quando as cidades não oferecem solução aos migrantes rurais, estes optam por emigrar principalmente para a França e República Federal Alemã mas também para países como o Brasil, a Venezuela, o Canadá e os Estados Unidos da América. Isto podendo-se explicar pelo falhanço de Portugal em conceder condições aos seus trabalhadores, a inflação causada pela escassez de produtos mas também pela grande atração que os salários, por exemplo, da Alemanha Ocidental criam sendo mais altos na atmosfera de liberdade política do pós segunda guerra mundial. É, então, após uma tanta despenalização da emigração, fácil para homens entre os quinze e os quarenta e quatro anos emigrarem sozinhos e enviarem parte dos salários para a família em Portugal. (Esta tendência de emigração aumentou durante os anos da guerra devido à fuga ao mandatório serviço militar).

Esta parte dos salários dos emigrantes ou remessas eram maiores que os salários de Portugal (Doc.6). Isto levou a um ligeiro aumento do nível vida e do poder de compra da população. Porém, estas repentinas remessas de dinheiro na vida dos portugueses e os novos contactos com as culturas externas mudaram as mentalidades. Tanto que chega a surgir o fenómeno do novo-riquismo – pessoas das classes baixas da sociedade ascendem rapidamente a altas classes da sociedade sem saber bem como gerir o seu dinheiro nem agir perante o seu novo estatuto.

Este movimento emigratório começou a ser notável por volta da segunda metade da década 1930, com uma ligeira interrupção no período da segunda guerra mundial – em que os emigrantes portugueses evitam as zonas em conflito -, até à queda do regime na década de 1970.

Documento 6 - Salários diários em diversos países em 1971 (em escudos) - é verificável a disparidade de salários entre Portugal e a Alemanha, a França, os E.U.A. e até a Espanha que, em conjunto com Portugal, era a única ditadura na Europa Ocidental.

   Dentro do Estado Novo, surgem novas ideologias quanto ao rumo da economia nacional já que o falhanço da política agrícola é evidente, os problemas de miséria, pobreza e carestia de vida atingem os portugueses e porque, no final de contas, nem sequer o princípio básico da autarcia foi atingido – quebra da dependência externa.

De um lado encontram-se os tradicionalistas - grandes proprietários agrícolas - defendem o mantimento da política levada a cabo até agora. Do outro lado acham-se os neofisiocratas que defendem um maior investimento, um grande melhoramento na agricultura de forma a atingir, de vez, o nível de autonomia pretendido. E doutro lado, mais radicais, os industrialistas que defendem que o mais rentável será Portugal enveredar pela via industrial e deixar a agricultura em segundo plano, nunca a desvalorizando já que será sempre necessária.

Salazar adquire uma nova perspetiva face à economia portuguesa – é necessário desenvolver a indústria! Porém, com o mesmo objetivo de substituir as importações. E é em 1945 que surge a Lei do Fomento e da Reorganização Industrial.

   Numa atitude um tanto contraditória à de autonomia e de eliminação da dependência externa, Portugal assina o pacto fundador da OECE em 1948 que habilita o país a receber fundos do Plano Marshall. Uma razão plausível para a adesão de Portugal à OECE será a oportunidade de maior liberdade de mercado e probabilidade de usufruir da ajuda monetária. Apesar de primeiro ter recusado alegando “felizes condições internas”, acabou por requerer e receber a ajudar monetária de cinquenta e oito milhões de dólares entre 1948 e 1951.

 E em 1953 surge o primeiro de quatro planos de fomento. Assemelhando-se aos planos quinquenais soviéticos (contudo nunca passando disso) os planos de fomento tinham como propósito definir setores e projetos da economia a investir por parte do Estado.

O I Plano de Fomento, que vigorou desde 1953 a 1958, teve como principal objetivo criar infra-estruturas (energia, transportes e comunicações) (Doc.7) de modo a facilitar a movimentação de pessoas, bens e capitais, potencializando o crescimento da indústria. Mesmo assim se notava um caráter tradicional pois um dos setores de investimento foi a agricultura. Exemplo desse caráter é a seguinte citação do discurso de Salazar durante a apresentação do I Plano De Fomento em 28 de Maio de 1953: «Para cada braço uma enxada, para cada família o seu lar, para cada boca o seu pão».

Documento 7 – cartaz turístico de 1960 alusivo aos Caminhos-de-ferro Portugueses e a possibilidade de se visitar Portugal por comboio.



É ainda consequência do I Plano de Fomento e da vontade de Salazar, que o governo decide construir a Ponte sobre o Tejo em 1958. Em 1960 United States Steel Export Company ganha o concurso internacional e em 1962 inicia a construção da Ponte Salazar (atualmente Ponte 25 de Abril). A construção foi concluída em 1963.

O II Plano de Fomento surge logo a seguir, em 1959 e estendeu-se até 1964. Este já reconhece a presença das infra-estruturas e dedica-se ao investimento na indústria transformadora de base (siderurgia, refinação de petróleos, adubos, químicos e celulose). Neste a agricultura não tem quase nenhuma importância já que esta sofreria positivamente com a proliferação da indústria.

É, por exemplo, durante este período que a marca de massas alimentícias, farinhas sêmolas de trigo, cereais e bolachas Nacional constrói uma nova moagem no Beato, com 152 toneladas/dia de capacidade (Doc.8)

  Documento 8 – Novos silos da Nacional, à altura Companhia Industrial de Portugal e Colónias, em 1958.

Todavia a Lei do Condicionamento Industrial, em vigor desde de 1931, ainda é aplicada, o que limita a iniciativa privada e, portanto, o mais rápido crescimento industrial.

   A década de 1960 representou, ainda para o campo económico português, uma década de grandes alterações: em 1960 Portugal adere à Associação Europeia de Comércio Livre ou European Free Trade Association (EFTA), passa também a fazer parte dos membros do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Acordo Geral de Tarifas e Comércio ou General Agreement on Tariffs and Trade (GATT). A adesão de Portugal a estas instituições representa apenas uma coisa: maior integração de Portugal na economia europeia e mundial e a maior interiorização do sistema capitalista no país. (Apesar do lema “Orgulhosamente sós” que era a imagem política de Portugal no estrangeiro…)

Após a finalização do II Plano de Fomento o governo de Salazar põe em prática o Plano Intercalar de Fomento, que durou de 1965 a 1967. Este plano de curta duração, marcou o ponto de viragem da estratégia económica do Estado Novo. Passou-se do objetivo de autarcia à procura em atingir a meta de competitividade face à concorrência externa que Portugal enfrentava, agora que fazia parte de alguns mecanismos de cooperação económica internacional. É também durante este Plano que se revê a Lei do Condicionamento Industrial, em prática há 35 anos. Tal porque o Estado considera também a lei inadequada à conjuntura atual.

Depois da substituição de António de Oliveira Salazar por Marcello Caetano em 1968, inicia-se o último dos Planos de Fomento, o III Plano de Fomento. Este é o Plano que demonstra o pico da agressividade capitalista de todo o Estado Novo. Isto visto através da captação de capitais estrangeiros, da liberalização da concorrência e do mercado, na convergência empresarial e na contínua política de exportações vinda do Plano Intercalar de Fomento.

   À semelhança da mudança de política económica em Portugal (metrópole) a política económica colonial também sofre uma mudança com o fim da segunda guerra mundial. Após a década de 1940 Portugal desvia-se do tradicional modelo de colonialismo e passa a reforçar a colonização branca, o investimento público e o fomento do investimento privado (e até estrangeiro) para, de certa maneira, legitimar a sua presença nas colónias ou, como a representação do governo português fez querer nas Conferências da Assembleia Geral da ONU, as “províncias ultramarinas”.

Em maneira idêntica ao desenvolvimento dos Planos de Fomento na metrópole, os Planos de Fomentos afetaram o desenvolvimento das colónias. Começando-se pela criação de infra-estruturas e uma atenção para a agricultura (Doc.9) , e em especial a extração mineral em Angola, passou-se ao desenvolvimento industrial nos anos 50 e 60 pela igual liberalização da iniciativa privada e pelo anteriormente referido investimento estrangeiro.

Documento 9 - Máquina com cilindros esmagadores na “Sena Sugar Estates, Lda” em Moçambique.

  Curiosamente os anos de guerra colonial (1961-1974) coincidiram com o maior desenvolvimento económico de sempre das colónias. Já que sofiram influência pelo crescimento da economia metropolitana mas também pela política do Estado Novo em, mais do que nunca, ocupar através da atracão de população branca os territórios coloniais legitimando a sua presença.

    Em conclusão, os primeiros trinta anos da segunda metade do século XX representaram uma mudança radical na economia e na sociedade portuguesa – da conservadora autarcia a um declarado capitalismo (nacionalista) e da agricultura à indústria e aos serviços. Ao longo dos anos viram-se partir milhares e milhares de portugueses deixando o país desprovido de mão-de-obra mas trazendo novas culturas à congelada sociedade portuguesa. Contudo, Portugal ainda se situava economicamente atrás do resto dos países europeus. A única coisa que não mudou foi o regime que permaneceu ativo até ao golpe de 25 de Abril de 1974.


 

Fontes:
Bibliografia:
O Tempo da História (2ª Parte) – Porto Editora

Webgrafia:

http://dalmeida.com/ensino/historia.htm

http://www.oliveirasalazar.org/galeria.asp?idTema=89

http://www.prof2000.pt/users/trinita/Armando/Ruralismo.htm

http://www.guerracolonial.org/index.php?content=215

http://restosdecoleccao.blogspot.com/

Outras fontes:
Apontamentos das aulas.

Davide Santos Nº13

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